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Quando sombra e água fresca rendem mais dinheiro em caixa para o agro

Quinze anos atrás, as fazendas Boa Vereda e Varjão, no interior de Goiás, produziam quatro arrobas de boi por hectare por ano. Como o ciclo da pecuária de corte é longo, demorava no mínimo dois anos para entrar dinheiro no caixa das propriedades que, juntas, somam 500 hectares. A história mudou quando Abílio Pacheco, funcionário público na Embrapa, herdou as duas propriedades. Poderia ter arrendado as terras, como fizeram outros fazendeiros da região, onde o plantio de cana começava a avançar. “Seria a opção mais fácil, já que eu trabalhava em Goiânia e não tinha disponibilidade para cuidar das terras, mas não me parecia a mais interessante”, diz ele. A resposta veio após o empresário ler uma publicação da própria Embrapa sobre Integração Lavoura, Pecuária e Floresta (ILPF).

Pacheco preferiu ficar na pecuária de corte, que é de menor risco, mas também rende menos, e passou a plantar eucaliptos. Hoje as fazendas produzem 18 arrobas de boi e mais de 45 metros cúbicos de madeira por hectare/ano. E o produtor se prepara para entrar no mercado de crédito de carbono, uma vez que tem cerca de 13 toneladas de carbono fixado por hectare/ano – produzidos pela plantação dos eucaliptos.

As vantagens de integrar lavoura, pecuária e floresta vão além das financeiras para os produtores. No caso das fazendas de Pacheco, com as sombras propiciadas pelos eucaliptos nos pastos, o consumo de água pelo gado caiu entre 20% e 30% e todos os indicadores bioquímicos do solo melhoraram desde que a técnica foi implementada. Ainda há a mitigação do gás metano produzido pelo gado. “Além do aumento da produtividade, os ganhos em sustentabilidade são muito evidentes e respondem a um dos maiores desafios da humanidade, que é produzir mais com eficiência na preservação do planeta”, afirma o pecuarista.

É a esta equação que a Danone está tentando responder usando o modelo de sistemas agroflorestais. Em 2019, em parceria com a Universidade de Viçosa, de Minas Gerais, a empresa colocou em prática o Projeto Flora, para reduzir a pegada de carbono de seus fornecedores – o escopo 3 da escala do Greenshouse Gas Protocol, que desenvolveu padrões globais para a medição dos Gases do Efeito Estufa (GEE). De acordo com Henrique Borges, diretor de compras de leite da Danone Brasil, 52% das emissões de GEE da multinacional francesa estão na cadeia de fornecedores. “Nossa meta é reduzir nossa pegada de carbono em 50%, até 2030 e chegar a net-zero em 2050. Sem envolver os fornecedores não será possível”, completa o executivo.

Toda a bacia leiteira da Danone no Brasil fica em Minas Gerais. No total, são cerca de 750 mil litros de leite produzidos por dia em 297 fazendas. E foi aí que começaram os problemas. Setenta porcento dos fornecedores são de pequeno porte. São produtores com pouco acesso à informação e reticentes a adotar técnicas que eles não conhecem ou, em outras palavras, mudar o jeito de trabalhar. “Logo vimos que o caminho era fazer uma fazenda modelo e levá-los lá para entenderem o que sugeríamos que eles fizessem em suas terras”, lembra Borges.

Hoje são 32 fazendas trabalhado com a integração entre floresta e pecuária. O executivo concorda que é pouco, e explica que o principal entrave a uma adesão maior por parte dos pecuaristas, além da falta de conhecimento sobre ILPF, é também a pouca oferta de profissionais especializados para disseminar as culturas integradas. “A mão de obra é muito baseada em produção com mínimo custo, e quando falamos de sustentabilidade não estamos falando de mínimo custo e sim de máxima margem”, explica o diretor da Danone, que tem 13 profissionais, entre veterinários e agrônomos, em campo para dar suporte aos produtores.

Segundo Borges, na fazenda modelo, o aumento da produção foi de 12%, ao passo que a as emissões de CO2 por quilo de leite produzido caíram 26%”. O executivo informa que os dados das 32 fazendas que já fazem a integração pecuária floresta estão sendo compilados agora e estarão disponíveis em 2023.

“Os sistemas integrados hoje são a vedete do pessoal que trabalha com sustentabilidade no meio agrícola”, afirma o pesquisador- chefe-adjunto da Embrapa Agrossilvipastoril, Flávio Wruck. Ele diz que o sistema de integração demanda menos insumos por unidade de produção – como o menor consumo de água pelo gado, no caso das fazendas de Abílio Pacheco – pela restauração do solo, e o potencial de geração de carbono fixado, no caso da integração com floresta.

Além dos benefícios ambientais, lembra ele, a diversificação da produção é um enorme benefício para os produtores rurais. “Quem só trabalha com soja, planta em outubro e colhe em janeiro. Se ele plantar milho quando colhe a soja e colocar o gado para pastar, o produtor terá três safras por ano”, diz Wruck acrescentando que, “se o mercado de carbono emplacar no Brasil”, pode-se pensar numa quarta safra. “E a Embrapa já está trabalhando neste protocolo”, acrescenta.

De acordo com o profissional da Embrapa, há vários arranjos possíveis nos sistemas de integração: lavouras integradas à pecuária mais o espaço dedicado à floresta. “É como um carro, em que se pode escolher os opcionais”, ilustra Wruck. O que vai definir o tipo de integração indicada para cada fazenda será a análise do solo, o clima e as demandas do mercado, nesta ordem.

Para o professor do departamento de ciências florestais da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, (Esalq), Ciro Abbud Righi, os sistemas agroflorestais não só respondem à questão da preservação ambiental, como também aos aspectos sociais das práticas ESG (ambiental, social e governança, na sigla em inglês). “Do ponto de vista ambiental o SAF [Sistema Agroflorestal] vai recuperar os processos ecológicos e do ponto de vista social, é uma forma não só de aumentar a renda no campo, como de transforma-lo em lugares melhores para se viver. E o que mais precisamos agora é criar condições para fixar as pessoas no campo, desafogando as cidades”.

Righi também destaca as diversas possibilidades de se trabalhar com esses sistemas de integração. Entre os diversos projetos que o professor coordena na Esalq está o de frangos agroflorestais – ou frangos criados ao ar livre e em seus habitat natural. “O que era um problema, como as plantas daninhas que devem ser controladas, passa a ter aspectos positivos como a diversificação da alimentação das aves e o controle destas plantas sem custo. O valor agregado dos ovos de melhor qualidade possibilita que os produtores tenham um aumento de renda associado a uma melhoria nas condições de criação destas aves”, resume ele.

De acordo com dados da Embrapa, o Brasil tem hoje algo entre 17 milhões e 18 milhões de hectares dedicados ao sistema de Integração Lavoura, Pecuária e Floresta. Considerando as dimensões do país e sua vocação agrícola é pouco, mas não só o interesse de produtores vem crescendo, como há um esforço de divulgação da técnica. “Queremos chegar a 35 milhões de hectares, até 2030”, afirma Isabel Ferreira, diretora-executiva da Rede ILPF, uma associação formada por empresas como Bradesco, Cocamar, John Deere, Soesp, Syngenta e Embrapa, em 2012, para acelerar a adoção das tecnologias de integração e impulsionar a sustentabilidade na agropecuária.

Para alcançar as metas, a Rede ILPF vem realizando caravanas em todo o país para apresentar a técnica aos produtores rurais. No ano passado, foram mais de 2,5 mil quilômetros percorridos com a caravana passando por 19 cidades, de sete estados brasileiros. “Nós precisamos conhecer as realidades locais para depois levar a técnica, daí surgiu a ideia das caravanas” explica Ferreira acrescentando que profissionais de várias áreas integram essas caravanas.

De acordo com a executiva, os Estados do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul são os mais avançados na integração de lavouras, pecuária e florestas, enquanto Norte e Nordeste são os menos desenvolvidos. A ideia da Rede ILPF, diz ela, é implementar o sistema em áreas de pastos muito degradadas, principalmente na Amazônia. “Mas aquele é um território onde não se entra sozinho e estamos estudando como acessar a área”, comenta Ferreira acrescentanto que o país tem vários hectares de terras destinadas ao pasto que estão em absoluta degradação.

Os especialistas afirmam que a implantação dos sistemas agroflorestais não tem contraindicação. O que não quer dizer, porém, que não haja dificuldades. No caso da falta de mão-de-obra com os conhecimentos necessários para a integração, a Rede ILPF tem mantido parceria com instituições de ensino, entre elas a própria Embrapa e a Esalq. “Mas não há instrumentos financeiros diferenciados nem acesso a crédito diferenciado, que considere que o produtor vai iniciar uma nova atividade”, afirma Isabel Teixeira.

A depender do tipo de atividade que o produtor vier a escolher, as despesas não serão pequenas. “Imagine um pecuarista que vai entrar em lavoura. Só uma colheitadeira custa R$ 1 milhão. Nenhum implemento custa isso na pecuária”, afirma Flávio Wruck, da Embrapa. “Já o agricultor que vai investir em pecuária precisará de, no mínimo, 500 hectares e 4 bois por hectares, senão não tem escala. Por baixo essa conta chega a uns R$ 7 milhões, só para comprar os bois”, calcula Wruck.

E os próprios empresários do campo estão no radar quando os especialistas falam da necessidade de capacitação. Wruck lembra de um pecuarista que começou a trabalhar com silvicultura. Na largada ele perdeu 30% das mudas. Por falta de conhecimento, não houve controle de formigas e elas acabaram se encarregando de dar fim à plantação, antes mesmo dela começar. “Às vezes o pessoal acha que não precisa fazer nada, que Deus cuida”.

Abílio Pacheco, o pesquisador que virou fazendeiro e que é hoje uma espécie de embaixador da ILPF – ele viaja o mundo fazendo apresentações também recebe visitantes em suas terras – recomenda que se comece com pequenas áreas, para aprender a nova atividade e que, antes de escolhe-la, pesquise as demandas do mercado. “Também sugiro que, inicialmente, os primeiros novos clientes não estejam muito longe, no máximo a 50 quilômetros, para não comprometer a receita com transporte”.

Fonte: Valor Econômico