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Agrotóxicos: Contra fatos não há argumentos

Marcelo Hilário Figueira Garcia, químico com atuação na há 19 anos na indústria química – Foto: Divulgação

De acordo com estimativas da FAO, em 2050 a população mundial será de quase 10 bilhões de habitantes, e para alimentar toda essa população será necessário aumentar em 70% a produção global de alimentos, quando comparada aos números atuais. E o Brasil terá papel de destaque nesse cenário, sendo responsável por 40% deste montante. Este aumento em nível global só será possível com alta produtividade nas lavouras, a qual, nos principais produtores agrícolas da atualidade, é fruto da aplicação de um conjunto de tecnologias de ponta, que vão do melhoramento das sementes, passando pela mecanização dos processos e finalmente, pelo uso de fertilizantes e de agrotóxicos.

Pausa para esclarecimentos. O Brasil é o único país do mundo onde esses produtos recebem essa nomenclatura (agrotóxicos), consolidada em 1989 pela legislação que regulamenta o seu uso. No restante do mundo, são conhecidos como pesticidas, defensivos agrícolas, agroquímicos ou fitossanitários. Sim, fitossanitários, pois esses produtos têm a finalidade de proteger as plantas de seres vivos nocivos que causam danos às mesmas.

Ao contrário do que se pensam, e principalmente se propaga, o Brasil tem uma das legislações mais rígidas de todo o mundo para o registro de agrotóxicos. Antes de ter sua venda autorizada, um produto passa por uma avaliação conjunta da Anvisa, Ministério da Agricultura e Ministério da Saúde. Esses órgãos são responsáveis por analisar de forma criteriosa e com base em fundamentação científica a eficiência agronômica do produto, assim como os riscos que ele apresente ao meio ambiente e aos seres humanos. Para que um novo produto tenha seu uso autorizado no país, ele necessariamente tem que ser mais eficiente (ou seja, ser aplicado em dosagens menores), menos tóxico aos seres humanos e menos agressivo ao meio ambiente, quando comparado aos produtos vigentes. Informações importantes desconhecidas da grande maioria da população.

Muito se fala sobre o Brasil ser o campeão mundial de consumo de agrotóxicos. Reportagens sensacionalistas em sites não especializados falam sobre litros de “veneno” consumidos por habitante, ou mesmo sobre “os novos temperos” à mesa dos brasileiros. Em todos eles, métricas distorcidas, correlações espúrias e sem embasamento veiculam números alarmantes sobre uma realidade inexistente.

A produção brasileira de alimentos pelo relatório da FAO de 2018 reporta um total de 1.06 bilhões de toneladas, distribuídas entre as diferentes categorias produzidas (cereais, frutas cítricas, frutas primárias, leguminosas, oleaginosas, raízes e tubérculos, cana-de-açúcar, nozes e castanhas e demais vegetais). Nessa produção foram consumidos 377 toneladas de agrotóxicos, o que dá uma média de 0.355 kg de defensivo por tonelada de alimento produzido. A produtividade média alcançada nesse mesmo ano foi de 9.43 toneladas de alimento por hectare cultivado. Em nível de comparação, a China produziu 1.79 bilhões de toneladas de alimentos, consumiu 1.763 toneladas de agrotóxicos, obtendo uma média de 0.983 kg/ton, e uma produtividade média de 8.85 toneladas por hectare. Já os Estados Unidos apresentaram os seguintes números: 0.72 bilhões de toneladas de alimentos produzidos, 407 toneladas de agrotóxicos consumidos, perfazendo a média de 0.569 kg de defensivo por tonelada de alimento, com uma produtividade média de 5.02 toneladas por hectare. Os números deixam claro que não somos os tais campeões mundiais do consumo de agrotóxicos, e, além disso, mostram como estamos bem-posicionados quando o assunto é produtividade agrícola. Quando considerado o consumo médio de agrotóxicos por hectare, o Brasil ocupa no período a 25ª posição, atrás de países desenvolvidos como Japão (8ª) e Holanda (15ª) por exemplo.

Mas como relacionar esses números com os reais riscos de intoxicação da população? Em 2001, a Anvisa criou o PARA (Programa de Análises de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos) com o intuito de avaliar continuamente os níveis de resíduos de agrotóxicos nos alimentos de origem vegetal consumidos pela população brasileira. O programa é uma ação do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS), coordenado pela Anvisa em trabalho conjunto com os órgãos de vigilância sanitária estaduais e municipais e com laboratórios estaduais de saúde pública. Desde sua criação, o PARA já analisou mais de 35 mil amostras de 28 tipos diferentes de alimentos de origem vegetal. Os relatórios publicados pelo programa são um dos principais indicadores da qualidade dos alimentos adquiridos junto aos mercados varejistas e consumidos pela população. Ao final de cada ciclo de análises e divulgação dos resultados, os dados de resíduos encontrados nos alimentos permitem à Anvisa avaliar, de forma embasada em princípios científicos, os riscos (caso existam) à saúde em função da exposição aos agrotóxicos. E, finalmente, é feita uma reavaliação de agrotóxicos, a fim de tomar a decisão sobre restrições e banimento aos produtos que, porventura, sejam identificados como sendo perigosos à saúde da população em geral. Todos os relatórios encontram-se disponíveis após sua publicação no site da agência, para consulta pública.

No período acima mencionado (2018), foram coletadas e analisadas 4.616 amostras de 14 alimentos representativos da dieta da população brasileira. A boa notícia, que nem sempre é divulgada e mesmo sabida pela grande maioria da população, é que os resultados mostram que há ausência de risco crônico nas amostras analisadas, e um percentual de 0,89% (41 amostras) com risco agudo à saúde dos consumidores. Na União Europeia, no mesmo período, o percentual de alimentos que apresentou risco agudo de acordo com os resultados foi de 0,90%, enquanto nos Estados Unidos 0,78% das amostras estavam não conformes.

Segunda pausa para esclarecimentos: risco crônico se refere à exposição a longo prazo pela ingestão de alimentos que contenham resíduos de agrotóxicos. Risco agudo ou de curto prazo se refere à exposição pela ingestão de alimentos em uma única refeição ou em um período de não mais do que 24 horas. Para os infratores identificados, medidas educativas e coercitivas foram tomadas visando a adequação às boas práticas agrícolas, a fim de garantir o correto uso dos agrotóxicos na produção de alimentos. Práticas essas alinhadas com os parâmetros definidos pelo Codex Alimentarius, que é um organismo intergovernamental que tem como principal finalidade a normatização e a regulamentação dos alimentos em todo o mundo.

Os agrotóxicos são, como qualquer substância química, nocivos aos seres humanos se utilizados de forma incorreta. Esta é outra informação importante que nunca nos foi dita na escola. Se sabe o quão uma substância química é nociva através de um parâmetro muito importante, a dose letal média (DL50), que indica a quantidade em miligramas da substância por quilograma de massa corpórea que tem 50% de probabilidade de causar a morte em indivíduos que a ingerem. Quanto menor a DL50, mais tóxica é a substância. Pois bem, o cloreto de sódio, nosso indispensável sal de cozinha, tem uma DL50 de 3.000 mg/kg. Isto é, são necessários 240 gramas do sal para levar um indivíduo de 80kg a óbito. Já o glifosato, o herbicida mais utilizado em todo o mundo, tem DL50 igual a 5.600 mg/kg, sendo necessários 448 gramas do herbicida para causar o mesmo efeito. Para finalizar a comparação, o paracetamol, medicamento amplamente vendido em todo o mundo, tem DL50 igual a 2.400 mg/kg, ainda menor do que a do cloreto de sódio.

De acordo com dados do Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox), da Fiocruz, em 2017 foram registrados 2548 casos de intoxicação em humanos causados por agrotóxicos, equivalentes a 3,35% do total de casos de intoxicação naquele ano. Destes, 861 casos foram relacionados a tentativas de suicídio, ou seja, uso não relacionado à prática da agricultura. Nesse mesmo período, foram registrados 20637 casos de intoxicação em humanos causados por medicamentos, equivalentes a 27,11% do total de casos no país.

Todos os dados até aqui explicitados estão publicados nos sites dos órgãos citados, disponíveis para consulta pública. Eles mostram uma realidade muito diferente da que é divulgada em matérias sensacionalistas e alarmantes, baseadas em ativismo e ideologias sem embasamento científico. E esses mesmos números mostram verdades que não são manchetes nos jornais: que não bebemos veneno e que não somos campeões mundiais no consumo de agrotóxicos; que há mais casos de intoxicação por medicamentos do que por agrotóxicos no país; que possuímos um nível de contaminação de alimentos por agrotóxicos no mesmo nível da União Europeia e dos Estados Unidos. Contra fatos, não há argumentos.

Da mesma forma que os médicos receitam os remédios com base na doença a ser tratada, os agrônomos receitam os remédios necessários e capazes de manter a sanidade das plantas. Assim como os fármacos, que foram testados e desenvolvidos criteriosamente até se chegar à dosagem recomendada, os defensivos agrícolas seguem um caminho semelhante, levando anos de pesquisa até que sejam lançados no mercado. Da mesma forma que nós tomamos os remédios porque precisamos, os produtores rurais utilizam os agrotóxicos para tratar dos problemas das lavouras, e não porque simplesmente querem usar tais produtos.

Portanto, se quisermos garantir que toda a população mundial, de hoje até 2050 e para as gerações futuras, tenha alimento à mesa, precisamos nos despir do preconceito a respeito dos agrotóxicos, ou melhor, dos fitossanitários. De novo, ratificando o nome para reiterar o conceito e a verdadeira função desses produtos químicos, uma vez que são os remédios das plantas.

Fonte: Agro em dia